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Mas quem sou eu mesmo? Nem eu sei se calhar. Em busca, permanentemente em busca!

terça-feira, junho 13

Recordando!

E eu fui lá.
Procurei estar cedo, fora de grandes confusões de transporte, sem grandes movimentos de massa, até porque não me sinto bem nas multidões.
Cheguei à boca do metro, estação de Arroios duas horas antes da hora prevista. Já muitas bandeiras, já algum movimento. O trânsito fluía e perfilavam-se ao longo da rua, militantes, não era difícil identificá-los, e outros como eu, procurando o passeio ensombrado pelas casas. A temperatura não era sufocante mas o sol escaldava.
Caminhei ao longo da rua cerca de duzentos metros e numa esquina de uma rua transversal apoiei-me numa placa indicadora de trânsito. Estaria menos envolvido pela multidão, pensei. Engano, bastaram 10 minutos para que me sentisse completamente encastrado tal como uma ilha no mar, um mar de gente. E vozes, e contos, e recordações. Estava sozinho e bebia aqui ou ali os temas de conversa. Recordações, vivências, testemunhos ou simplesmente palavras. Velhos, muitos, é verdade. Mas menos velhos como eu que ainda não conseguem recordar com aquela intensidade, ou simplesmente muitos daquela geração onde o cinzento prateado já vai aparecendo aqui ali num fio de cabelo ou barba. E jovens, que os teria levado a estar presentes? Os familiares, a militância ou simplesmente a sedução de, tal como eu, participação activa de um episódio de história? Não sei, mas independente da dúvida, estavam muitos.
Confesso que nunca tinha estado entre tantas pessoas, aliás tenho uma certa fobia da multidão. Mas não podia deixar de estar presente, também se me sentisse mal, podia retirar-me rapidamente por uma das ruas laterais.
E o movimento aumentou. E começou a polícia a ensaiar operações para primeiro disciplinar o trânsito, depois limitando a circulação, para finalmente cortá-lo por completo. E chegava cada vez mais gente e pouco a pouco os passeios transformaram-se em molduras humanas, compactas, coloridas. E as janelas iam-se abrindo, assolavam cabeças e também às varandas residentes ocupavam lugar privilegiado de observação. Uma bandeira aqui, um pano ali, vermelho pois claro.
Começaram-se a esticar os pescoços no sentido da Praça. Já chegou, ouviu-se. Sim, estou a ver umas luzes intermitentes lá em baixo e um carro funerário.
De súbito, como uma gigantesca onda a multidão caminhava pelo alcatrão. As palmas, os gritos de ordem e as cantigas ecoaram desencontrados, provocando um movimento quase conflituoso, assimétrico, imenso, intimidador.
Passa por mim o carro funerário e sem me aperceber subitamente sou envolto por uma multidão em movimento. Momento de pânico, agarro-me firme e ansiosamente ao ferro da placa. PCP...tatata..Cunhal....Grândola Vila.....Avante....tatata...amigo, PC ...la Morena...ta ta. migo...Camarada.....tatata...e como uma onda em movimento os sons ecoam distantes ou próximos, enérgicos ou suaves, harmoniosos ou com vigor. Arrepiante!
Olho a multidão que desfila, e a meus olhos, algumas figuras conhecidas da praça pública diluídas naquele bloco caminhante compacto. E há punhos no ar, e cravos, e olhos lacrimejantes, e rostos fechados e olhares respeitosa e solidariamente ausentes.
Petrificado, procurando absorver o mais que pudesse do momento, mantive-me até ao fim. E nunca mais acabava, o rio humano rumava ao Alto.
E as vozes...e as cantigas..., as palmas..., e as palavras de ordem, e as vozes...as cantigas....as palmas....e as palavras de ordem, e as vozes...as cantigas....
À noite, já em casa, balançava como se acabasse de alcançar terra após uma viagem de barco e ouvia lá ao fundo o murmúrio da onda!
Eu estive lá, e não me arrependo!
Junho/2005-06-16
AF

1 comentário:

Anónimo disse...

recordaste-me um momento a que apenas assiti pela televisão e que me fez comover... e da maneira bonita q escreves, "senti o lugar e o momento.". beijoca

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